Entrevista à antiga secretária do Cardeal Van Thuân

01-05-2020

A vice-postulação da causa de beatificação e canonização de Venerável Van Thuân entrevistou a sua antiga secretária e encarregada da causa, Dra. Luísa Melo.

Na entrevista - disponibilizada, para já, em italiano, inglês, espanhol e português - está bem evidenciado a grande espiritualidade de uma grandes figuras da Igreja no século XX.

"O Venerável Van Thuân é para nós um exemplo em quem inspirar-se, porque desde jovem aceitou o sofrimento pela perda de alguns dos seus familiares; suportou a privação da liberdade por longo tempo; suportou a tuberculose e outras doenças; o duro e longo período da guerra no seu país; o exílio e, por fim, a terrível doença que o levou à morte"

® Dr.ª Luísa Melo com o Venerável Cardeal Van Thuân

Nesta entrevista à sua antiga secretária em Roma podemos, mais uma vez, confirmar como o Cardeal Van Thuân é um grande modelo para todos nós.

Transcrevemos, de seguida, o texto em português:

Entrevista sobre o Cardeal F. X. Nguyên Van Thuân à sua antiga secretária pessoal, Dra. Luísa Melo, feita pela vice-postulação

1.- Dra Luísa Melo, como conheceu o cardeal Van Thuân?

Mesmo sendo apaixonada por geografia e por viagens, confesso que à chegada do Cardeal, apenas estava informada sobre a guerra no Vietname.

Quando no Pontifício Conselho Justiça e Paz, - onde eu trabalhava há três anos - no ano de 1994 foi dada a notícia que chegaria um arcebispo vietnamita com o cargo de vice-presidente, para mim foi uma surpresa. Desde o primeiro momento, observando a sua atitude humilde e escutando as suas palavras, fiquei profundamente impressionada com a sua experiência de vida, sobretudo com o seu sofrimento, que refletia uma experiência teológica e espiritual, qual fundamento de toda a esperança.

2.- Durante a permanência do Cardeal Van Thuân ao serviço do Pontifício Conselho Justiça e Paz, o que é que mais a impressionou?

O que mais me impressionou foi a sua grande abnegação e o zelo apostólico, que sempre o tinha caracterizado, mesmo estando privado por longos anos do cuidado pastoral da sua diocese. Era muito pró-activo nas iniciativas: organizava encontros internacionais sobre a doutrina social da Igreja; pregava retiros, incentivava as comissões Justiça e Paz internacionais a organizarem seminários de estudo e muitas outras iniciativas.

Internamente no dicastério, cultivava uma ligação especial com cada pessoa. Era amado por todos nós, sobretudo pelo seu acolhimento e pela disponibilidade em escutar todos, que se traduzia na capacidade de promover e criar uma harmonia familiar.

3.- O cardeal Van Thuân falava do tempo da prisão no Vietname?

O cardeal partilhou em diversas ocasiões a sua experiência pessoal. Ele contou com muita espontaneidade, passo a passo, tudo o que teve que enfrentar desde o momento em que foi convocado pelas autoridades até ao momento da sua libertação. Manifestava com grande humildade o seu sofrimento, sobretudo quando não podia concentrar-se sobre aquilo que Deus lhe pedia no momento, dado que esperava voltar para a sua gente, para continuar o trabalho pastoral, e para evitar o sofrimento à sua família e aos seus amigos.

O seu maior tormento interior era não poder celebrar a Eucaristia, mas Deus iluminou a sua mente, concedendo-lhe esta graça, partilhada com os companheiros de prisão.

Sendo jovem bispo e muito ativo, teve de enfrentar uma situação inesperada, ao ponto de perceber que estava a negligenciar em viver plenamente o momento presente segundo o coração de Deus. Consequentemente, para ele a vida era muito deprimente e solitária.

Aconselho quem queira aprofundar a vida do Cardeal a ler o livro Cinco pães e dois peixes, em que se encontra o seu testemunho.

4.- Qual o legado espiritual que lhe deixou o Cardeal Van Thuân?

No início, colaborei com o Cardeal a nível mais reservado, podendo apreciar a sua espiritualidade, o amor à Igreja e, sobretudo, o desprendimento das coisas materiais. As suas poupanças eram entregues para obras de caridade: ajuda aos leprosos da "Fundação Lázaro" que ele tinha criado no seu país e apoio aos jovens seminaristas para prosseguirem a sua formação académica.

Ao mesmo tempo, tive a grande alegria de ter estudado missiologia na mesma universidade em que ele tinha obtido o seu doutoramento em direito canónico. Ele aproveitava cada ocasião para evangelizar e era escutado por todos, devido à sua riqueza espiritual que contagiava cada um que se aproximasse dele, porque era um homem de profunda fé, esperança, caridade, oração e humildade.

Esforço-me, mesmo não sendo fácil, aprender com ele a viver o momento presente como se fosse a última oportunidade para praticar a caridade, a gentileza e o serviço com alegria. Outro aspeto específico da sua espiritualidade é o amor à Eucaristia e a devoção a Nossa Senhora.

5.- Acompanhou-o nos últimos momentos da sua vida, como foi?

Para mim é muito difícil responder a esta questão, porque o período dos últimos cinco meses da sua vida foi caracterizado por um sofrimento indescritível, devido ao tipo de tumor, que é tão insidioso como o coronavírus. Sem retórica, pode dizer-se que era um doente extraordinário. Muitas vezes, depois da visita do médico, queria confirmar se eu tinha a mesma informação clínica que o médico lhe havia dado a ele. Sou verdadeiramente grata e reconhecida a todos os médicos que lutaram para encontrar forma de o curar, de forma especial o professor Marcello Deraco, do instituto nacional de tumores de Milão, que o tinha operado e, ao mesmo tempo, se tinha criado uma relação de amizade entre eles, e que o visitou em diversas ocasiões em Roma.

Nos momentos de reflexão, ele sempre se perguntava se chegara a hora da sua morte, ao perceber que a ciência médica não podia fazer mais.

Jamais se lamentava do seu sofrimento, porque afirmava que havia três possibilidades, isto é: em primeiro lugar, se morresse, para ele seria um ganho - uma boa ocasião - porque se sentia preparado; depois, se continuasse a viver, teria de continuar a sofrer; no entanto, teria continuado a trabalhar para a Igreja, em virtude da sua vocação. Viveu todo o período da sua doença com a oração e, sobretudo, com a celebração eucarística diária, até que as suas forças o permitiram; no fim, concelebrava e recebia a comunhão.

Naquele período, tive oportunidade de conversar muito com o cardeal; todas as tardes, rezávamos juntos e, depois, ele dava-me a bênção antes de adormecer.

Ele manteve a lucidez até três dias antes da sua passagem desta terra para a casa do Pai.

Foi um período muito duro, em que eu conservava exteriormente o sorriso, enquanto o meu coração chorava. Tinha consciência de ter aceitado este grande desafio e de que devia ser forte, até quando lhe fechamos os olhos. Era uma segunda-feira, 16 de setembro de 2002, às 18 horas, quando os sinos da Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe soavam a "Ave Maria".

6.- O que dizer do percurso de 2007 até hoje da Causa de Beatificação e Canonização do Cardeal Van Thuân?

A ideia de dar início à causa de Beatificação e Canonização deve-se a Sua Eminência, o Cardeal Renato Martino, sucessor do Cardeal Van Thuân. A 2 de março de 2007, solicitou ao Vigário de Roma autorização para iniciar a causa de Beatificação e Canonização.

A 17 de abril, a conferência episcopal de Lázio (Itália) aceitou a introdução da Causa. No mesmo ano em Castelgandolfo (Roma), a 17 de setembro, deu-se início à fase preliminar da causa na presença do Papa Bento XVI.

A 16 de janeiro de 2009, saiu o Édito da Casa; a 22 de outubro de 2010, foi celebrada a sessão de abertura do processo de Beatificação e Canonização no Tribunal do Vicariato de Roma. Desde então, o Vicariato recolheu os testemunhos quer orais quer escritos, foi nomeada uma comissão histórica da qual fui secretária.

Outra data importante é o 8 de junho de 2012, em que se procedeu à sepultura privilegiada na Igreja de Santa Maria della Scala, Roma.

A 5 de julho de 2013, teve lugar a sessão de encerramento do processo diocesano na sede do Vicariato de Roma. A 4 de maio de 2017, foi declarado venerável pelo Papa Francisco com a assinatura do decreto de reconhecimento das virtudes heroicas. A 17 de setembro, foi a leitura pública do decreto de venerabilidade.

Agora estamos numa fase de oração, à espera de que Deus nos conceda a graça de um milagre através da intercessão do nosso Venerável, que conduzirá à sua Beatificação.

A causa atualmente tem como autor Sua Eminência o Cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson (prefeito do dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral); postulador, Dr. Waldery Hilgeman; vice-postulador, padre Marco Luís; encarregada e administradora, Dra. Luísa Melo.

7.- Como nos pode ajudar o Venerável Cardeal Van Thuân nestes tempos de crise mundial com esta pandemia?

O Venerável Van Thuân é para nós um exemplo em quem inspirar-se, porque desde jovem aceitou o sofrimento pela perda de alguns dos seus familiares; suportou a privação da liberdade por longo tempo; suportou a tuberculose e outras doenças; o duro e longo período da guerra no seu país; o exílio e, por fim, a terrível doença que o levou à morte.

Neste período da História, marcado por tanto sofrimento devido à pandemia, inspiremo-nos no Cardeal Van Thuân, para que nos ilumine com a sua vida heroica, embelezada com a união íntima com Deus, com Nossa Senhora e os Santos do Paraíso.

Ele irradiava alegria, paz interior, calma, acompanhada do sofrimento até aos últimos dias, demonstrando que a vida não é qualquer coisa que se tenha para si mesmo, mas é dom do Senhor a partilhar com os irmãos, na certeza que o Senhor nos acompanha em cada momento. O Venerável ajuda-nos a perseverar na peregrinação da fé, sobretudo durante as provas e dores.

Neste período mais crítico, o meu conselho é olhar o exemplo do Cardeal Van Thuân, sobretudo esforçar-se por procurar a serenidade, com a consciência de que o amor de Deus não nos abandona, mesmo se os factos dolorosos não têm uma explicação e as coisas não vão como gostaríamos. Estamos certos de que Deus não quer o mal, mas é necessário questionarmo-nos: "o que é Deus quer de nós neste momento?". Devemos encontrar uma resposta e uma consolação no nosso sofrimento e pensar que estamos a cumprir uma peregrinação sobre esta terra, esperando que se cumpra a feliz esperança e venha Nosso Senhor Jesus Cristo. Por fim, sugiro que peçamos à Santíssima Trindade, apelando aos méritos do Venerável, além da cura dos doentes, também o dom da libertação da pandemia que nos está a fazer sofrer terrivelmente.

Pode comunicar-nos as graças alcançadas aqui ou através do e-mail causa.cardinalvanthuan@humandevelopment.va.